Nem tudo que seduz é chita 2

Não é segredo algum que trabalhadores beirando a escravidão são usados na confecção de roupas no mundo todo. Não é segredo que os chineses ganham mal para que a roupa e o tênis que você veste sejam mais baratos [muitas vezes apenas para a empresa]. Mas é claro, nesse mundinho globalizado e na era do twitter e facebook fica difícil uma empresa sair ilesa na briga por uma sociedade mais justa.

A reportagem realizada nessa semana pelo programa A Liga sobre o Trabalho Escravo gerou revoltas e comentários instantâneos na rede. O twitter bombava na hora e depois da reportagem. Os jornais comentaram, empresas culpadas foram autuadas. Enfim, o normal.

A questão está exatamente na revolta imediata que surgiu. Sim, eu sou consumidor da Zara, sim 90% do meu armário tem produtos com suas etiquetas, sim feitos em todo lugar do mundo, da Europa, passando pela Ásia e América Latina. Agora digo: você acorda, toma banho, faz o café na cafeteira Made in China, colocar sua roupa para trabalhar Made in Brás by Bolivianos, coloca seu sapato Made in Portugal by crianças, veste seu sweater Made in Italy by Máfia, vai para o trabalho, usa o seu carro com componentes de Worldwide by sweatshops chega no trabalho e loga seu usuário e senha no computador Made in China ou em lugar que pagam salários de US 0,10 por dia ou, quando mais otimista, por hora.

Acordou? Você acha que simplesmente postar “NUNCA MAIS VOU COMPRAR ROUPAS NA ZARA” no twitter é revoltar-se com o problema? Não estou a defender a Inditex e suas contratações. Novidade é bom, todo mundo gosta e consome, não sejamos inocentes e hipócritas , essa é uma, mas não a única, maneira de lhe entregar algo pronto a um preço mais baixo.

Acho extremamente válido movimentarmo-nos e, claro, o discurso vendável do programa também tem suas verdades – fato consumado de que uma notícia assim é capaz de mexer com nosso status quo e tirar, às vezes, nossa bunda da cadeira [Made in China].

Minha revolta fica por conta do falso moralismo que se instaurou durante e após a transmissão do programa A Liga – ninguém se deu conta de que uma das apresentadoras está a usar um tênis da Nike, que também já foi acusada de usar mão de obra escrava? Acho que não.

Essa notícia não é novidade no mundo da moda, diversas empresas e subcontratadas já foram autuadas por descumprirem as leis de trabalho no mundo todo: desde o famoso caso das crianças que faziam tênis para a gigante NIKE, passando pelas crianças portuguesas que fazem sapatos para a ZARA até por aquele jeans, horroroso não muito harmônico, feito por bolivianos e peruanos na região do Brás e Bom Retiro. As notícias já fazem parte do Museu de grandes novidades, afinal, elas existem a muito mais de 5 anos, assim como o trabalho escravo em TODAS as regiões do globo [continua]. Lembre-se que isso não é um problema só da ZARA, uma empresa espanhola. As contratadas e subcontratadas SÃO BRASILEIRAS, portanto, a culpa está na nossa casa também.

Há quanto tempo e o quanto se fala que a sociedade é sistêmica?  Todo aquele bla bla bla da universidade, das revistas e das entrevistas bonitinhas na TV não serve para nada. Se você não tem capacidade de contratar empresas justas, não o faça! Se você consome qualquer produto Made in China ou mesmo Brasileiro que custou uma pechincha, pense melhor antes de sair gritando falsos moralismos [e isso me inclui nesse jogo, claro]. Desviar verbas públicas da merenda escolar não é tratar os futuros cidadãos, também, como escravos? Pense nisso.

Toda essa babozeira serve, apenas, para ser aprovado em dinâmicas e entrevistas de emprego. Porque do jeito que as coisas acontecem a imagem está valendo mais do que a ação. Fica quase impossível resolver esses problemas de imediato e terno e gravata não são sinônimos de seriedade nem solução para os problemas da sociedade. Mas há de se pensar, afinal, empreendedores tem a oportunidade de começar diferente: um novo começo para um novo futuro é possível.

A Chita é colorida, mas também é frágil e pode revelar um sistema fraco que, ainda, vive apenas de imagem! É que fica difícil esconder os trabalhadores escravos nas cuecas e meias né? Um tanto quanto irônico. O problema, com muita certeza, vai além da roupa que cobre seu corpo. Cada vez que você recebe alguma correspondência papel é gasto, CO2 no transporte é lançado na atmosfera, o meio ambiente é sacrificado, alguém na cadeia produtiva é prejudicado. O problema é muito maior e mais complexo do que sonham nossos sonhos comprados nas lojas. O problema é com todos: comigo, com você, com seu vizinho, com o apresentador de tv, com as câmeras usadas Made in China. Para impactos menores muito caminho terá de ser percorrido.

Cada vez que você respira, um Chinês morre. Está disposto a parar de respirar?

Renato Spínola

PS: não se esqueça de ver o post anterior: Nem tudo que seduz é chita

Radiohead – All I Need from wzzk on Vimeo.

One response

  1. Acho complexo o assunto, se vc analisar a China não há condição de mão de obra “cara” para sustentar toda população, ou seja ou vc distribui trabalho ou renda, as pessoas também precisam se decidir se quer um produto barato ou um produto ambientalmente e humanamente correto. No Brasil o caso não é diferente pq nossas leis trabalhistas são muito boas (ps. uma lei não é responsável pelas pessoas q usam elas, o problema nunca esta na lei mas no instrumento da justica, repare) e os brasileiros não desesperados sabem onde estão os limites das suas obrigações e direitos trabalhistas o que nos faz trazer imigrantes dispostos a se sacrificarem por motivos que brasileiro nenhum conhece, parece muito bom reclamar com um nike ou uma jaqueta da Zara, agora, imaginar na Bolivia ning imagina… o trabalho é escravo em essência mas sabe qnto vale nossa moeda na Bolivia? Com o pouco dinheiro que ganham, eles ainda conseguem mandar dinheiro para os parentes! Não estou dizendo que o que fazem é correto, mas é pra isso que existe estado e cada um cuida do seus e o Brasil não tem capacidade de cuidar dos outros qndo os seus não estão muito bem. Agora, experimenta dar a opção para um imigrante de ser levado de volta pro seu pais… enfim, como eu falo, no Brasil os problemas são cíclicos, vc não consegue resolver todos de uma vez e enquanto vc resolve um, ele vai destruindo oq ja foi feito. Concordo plenamente que moralismo social não fundamentado não leva a nada e ainda agride a análise teórica dos fatos,

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